há um tempo atrás eu precisava por pra fora as palavras que me engasgavam antes que elas me sufocassem.
então escrevi uma coletânea de cartas.
escrevi a minha mãe sobre como ela era acolhedora e ao mesmo tempo me protegia demais e de como isso me tornou uma adulta que não sabe ser sozinha.
acho que eu sabia, sabia que tudo era por amor, mas o amor dela as vezes me feria mais que curava. ela tinha todas essas melhores intenções, queria sempre o melhor pra mim, mas ela não via que era tudo sobre ela. ela nunca notou todas as cicatrizes que ela me deixou, nem todo aquele trauma de abandono mesmo ela estando presente.
escrevi ao meu pai uma carta que dizer que eu o perdoava e o entendia, mas que ele havia deixado cicatrizes em mim. todas as coisas que me lembro são a partir do momento em que ele saiu pelo portão me dizendo um tchau sem explicação.
aquele dia foi que eu percebi quem era ele, alguém que vai embora quando não te convém mais. as coisas não são fáceis pra ele e agora eu entendo, mas eu era uma criança então não entendia. sua partida me doeu demais, mas sua volta me dilacerou por inteiro.
escrevi para minha tia que me criou como filha, que esteve me salvando quando ninguém mais me via, que me levava na escola e cuidava quando eu estava doente.
ela é toda a calmaria que você sonha na vida, aquele tipo de pessoa que só de olhar você sabe que precisa amar. ela cuidou de mim desde o meu primeiro dia de vida, e sempre fazia questão de lembrar disso. ela me viu sangrar em tantos aspectos, e ela quem segurou minha mão, não sei se ela sabe disso, mas quando tudo estava perdido, eu a olhava segurando minha mão e sabia que tudo poderia ficar bem.
escrevi ao garoto que considero um irmão, que cresceu comigo e me mostrou um amor desconhecido, que me viu sangrar e me abraçou, esperando que eu quisesse falar.
muitas vezes eu me senti só, e você estava lá, você me salvou de um abismo e me de deu lar pra repousar, você quem segurou minha mão e disse que tudo ia ficar bem. e no mesmo dia conseguiu me irritar e me fazer rir, foi ai que eu percebi que você era um irmão pra mim.
aos meus amigos escrevi sobre sobre me sentir em casa, sobre como a amizade é importante pra mim. deveria ter escrito sobre como algumas casas se perdem ao longo da vida, mas que as vezes temos sorte de achar um lar.
casa é um lugar que se vai quando precisa descansar, onde pode dormir e ser você mesmo, e as vezes casa são pessoas que nos fazem sentir isso tudo, mesmo estando por ai.
ao meu amor, eu escrevia milhares de cartas a ele, mas escrevi essa quando minha alma gritava em paixão e gratidão.
estar com ele era estar em solo firme, era algo concreto, era felicidade, as vezes tudo desandava, mas com ele exite uma certeza, a certeza de que sempre estariamos juntos.
as cartas que eu nunca enviei continham partes da minha alma que são difíceis de alcançar, essas pequenas amostras são parte de uma superfície.
há palavras que escrevi e que jamais serão lidas, cartas escritas em momentos de fúria, de paixão, de desejos e principalmente de solidão. cartas essas queimas dentro do meu coração e enterradas no fundo da minha mente.
para todas as pessoas que passaram pela minha vida, eu escrevi uma carta.
a essas citadas acima eu as enviei num momento de coragem, adivinhem o que aconteceu? as minhas palavras foram lidas e descartadas rapidamente. o meu medo de que minhas palavras fossem esquecidas era real.
um tempo depois eu estava conversando com minha mãe e falei da carta, e ela não se recordava, pensei comigo: ok ela só esqueceu. mas decidi piorar tudo e perguntar a todos que eu havia escrito, e eles também haviam esquecido, uma delas disse: você já escreveu tanto pra mim que me esqueci.
como se esquece de algo tão profundo sobre alguém? minhas palavras são tão esquecíveis assim?
havia visto o filme cartas para julieta, e pensei que seria uma boa ideia escrever também, uma das cartas me fez ter um medo assombroso de nunca conseguir dizer nada.
"Querida Claire,
‘E’ e ‘se’ são palavras que, por si, não apresentam nenhuma ameaça. Mas, se colocadas juntas, lado a lado, elas têm o poder de nos assombrar a vida toda. E se… E se… E se… Eu não sei como a sua história terminou, mas se o que você sentia naquela época era verdadeiro amor, então nunca é tarde demais. Se era verdadeiro então, por que não seria agora? Você só precisa de coragem para seguir seu coração.É difícil imaginar um amor como o de Julieta, um amor que nos faça abandonar entes queridos, que nos faça cruzar oceanos. Mas eu gostaria de acreditar que se eu um dia sentir esse amor, terei coragem de perseguí-lo. E, Claire, se não o fez naquela época, espero que ainda o faça um dia. Com todo amor, Julieta."
apesar do meu medo se concluir, eu prefiro pensar que disse, que amei e que senti profundamente.
prefiro ter a certeza do esquecimento do que a assombração de um “e se”.
tenho escrito cartas que nunca enviarei, mas algumas ainda valem a pena de ser compartilhadas.
nunca saberemos como o outro vai nos recepcionar, apenas controlamos o que dizemos. e se for cartas de amor, bem, então vale a pena o risco.
este foi um texto escrito para o meu desafio de escrita tagarela cujo tema era “uma carta que nunca te enviei”, passear pelas minhas cartas não envidas foi um grande desafio pra mim e uma libertação, sempre me sinto livre quando escrevo.
escrever salva. cura um pedacinho dentro de nós que nem sabíamos que estava machucado. muitas de nossas palavras não serão percebidas, elas voarão ao vento e não ecoarão dentro de ninguém, mas pelo menos foram ditas. não se pode guardar as palavras porque elas nos fazem engasgar. você fez o certo, mesmo não tendo sido valorizada.
Acho que no final é sobre entender que o que as pessoas fazem com o nosso sentimento não é nossa responsabilidade 🥺