como no poema da sylvia plath, eu sinto que todos os figos estão se esgotando enquanto eu morro de fome e lamento por eles. cada momento em que deixo alguém ir é como uma perda irreparável, uma parte de mim que se esvai, e fico ali, vazia, esperando por algo que não volta. como se fosse possível, de alguma forma, conseguir recuperar o que foi perdido, e me reconstituir com as migalhas do que restou.
a verdade é que, enquanto observo os figos caírem, eu também caio um pouco com eles. cada figo que não escolho leva com ele uma possibilidade — de quem eu poderia ter sido, do amor que poderia ter ficado, de uma história que nunca se aconteceu, dos e “se” que deixei espalhados por ai. eu os vejo apodrecendo no chão, sabendo que o tempo não espera a minha indecisão. ainda assim, permaneço parada. porque escolher um figo significa deixar todos os outros morrerem. e talvez seja isso que mais me assuste: a ideia de que, ao agarrar algo, eu sempre estarei perdendo outra coisa.
não escolhi o suficiente, ou escolhi tarde demais? e se, no fundo, eu também for um desses figos esquecidos, pendurada no limite, esperando que alguém me alcance antes que eu caia?
eu sempre me pego voltando para o passado na minha mente, reescrevendo a história, tentando imaginar outros finais, outras escolhas, como se isso fosse mudar o que aconteceu. eu abro os olhos, e vejo que não é real. então eu choro. porque, no fundo, sei que não adianta tentar recriar o que já foi. o tempo é uma força implacável que, ao mesmo tempo que nos ensina, nos deixa com um gosto amargo de impotência.
o que mais odeio em perder as pessoas é me perder com elas. me perco tão completamente que só sinto minha falta quando elas se vão. e então, fica esse vazio, esse eco do que fui quando estava com elas.
tento me recordar de mim, mas as memórias estão turvas. não sei mais onde eu começo e onde o outro termina. eu me dissolvo com a dor da perda, como se, ao amar demais, tivesse deixado uma parte minha com a pessoa que se foi.
e é quando isso acontece que a saudade se transforma em algo mais cruel, como se eu estivesse desaparecendo junto com o que me foi tirado.
me encontro perdida, sem saber se sou capaz de me reconstituir sem essa outra parte.
me pergunto: até onde eu posso ir em busca de mim mesma, sem que me desfaça mais uma vez?
estou de joelhos implorando aos deuses, a deus, ao universo, a qualquer divindade que possa me ouvir, para me levar de volta ao passado, de volta pra casa, de volta pra mim.
meu desejo de voltar é um peso silencioso. uma necessidade insistente de revisitar aquilo que ficou para trás, como se, ao retornar, fosse possível ajustar as coisas, recuperar o que se perdeu ou, talvez, recuperar a mim mesma.
“i had all and then most of you
some and now none of you
take me back to the night we met”
talvez lord huron esteja falando sobre retornar a uma noite especial, a um momento em que tudo parecia perfeito, quando as coisas ainda estavam intactas antes da perda ou da separação de um amor. mas isso reflete de outra forma em mim.
porque eu não quero apenas voltar a um momento. eu quero voltar para mim. para quem eu era antes de me fragmentar em tantas versões inacabadas. para a pessoa que não vivia em constante luto pelas escolhas que não fez.
mas voltar para onde, exatamente? pra um momento onde tudo parecia mais simples? para uma versão de mim que ainda não conhecia o gosto da perda? ou para aquela noite em que as coisas ainda estavam inteiras, antes de tudo começar a se desfazer?
gostaria de voltar a noite em que me perdi de mim, tinha tanto de mim e agora nada.
e aos figos, eu lamento aos céus, por nunca escolher os bons, por ousar observar a perda de tantos figos, de tantas oportunidades, de tantas versões minhas.
talvez eu só queira que alguém fique.
talvez eu só queira, voltar pra mim.
Queria ter escutado tudo isso do figo que me perdeu, mas nunca aconteceu e provavelmente nem vai, ler isso aqui foi de certa forma reconfortante, pareceu que eu entendi como o outro lado pode ter se sentido! É difícil seguir pensando no que não se concluiu, nos planos que não foram realizados. Talvez muita coisa realmente tenha ficado pra trás, mas também é possível identificar quais partes de ti ficaram pelo caminho e resgatar o que for possível para compor o que pode existir de fato no agora, no momento presente. Ainda é possível reorganizar os fragmentos que tens ao teu alcance, só não é fácil, mas sempre será possível! Texto belo e triste ao mesmo tempo, me lembrou a música Solamento/Amadurecer e apodrecer (Acústico) - Tuyo + Hai studio.
Sobre ser uma pessoa a cada pessoa que recebemos em nossa vida. E mais do que sentir a falta do outro, é lamentar quem éramos, e como um rio que corre, jamais seremos de novo. Sensacional e sensível. Obrigada por isso!